14 novembro 2006

Parábola da vida moderna

Estava estafado.

Acabava de fazer uma directa para acabar aquele trabalho que o estúpido do chefe não soubera organizar para ficar pronto a horas. Saiu para ir a casa refrescar-se e mudar de roupa.

Estava pior que uma barata e a coisa não melhorou quando se deparou com o outro, impecavelmente fardado, de bloco na mão e esferográfica a desenhar letras furiosamente.

- Ó xô guarda, masatão...

O outro ainda ergueu o olhar por sobre os óculos, mas continuou a escrever.

- Mas foi só um bocadinho...

Era mentira, mas valia tudo. A esferográfica coninuava, imparável. A mostarda subiu-lhe ao nariz:

- Acordou mal disposto e os outros que paguem, não é?

Atingiu o alvo. O outro deu uma volta ao carro, fixou o olhar num dos pneus, e puxou de novo do bloco, para escrever na folha a seguir. Não se conteve:

- Sacanas. Pagamos o vosso salário e vocês agradecem assim, não é? Cambada de chulos.

Nova volta ao carro e terceiro papelinho a começar a ser preenchido.

Desistiu.

Andou uns metros, virou a esquina, e pouco depois, entrou no seu carro e dirigiu-se a casa.

Enquanto conduzia, pensava:

- Há dias do camandro. Bom, mas podia ser pior. Aquele carro podia ser meu e não do chefe...