17 novembro 2005

As canções da minha vida - 2


Eu tinha 8 anos quando se deu a Revolução dos Cravos.

É natural, portanto, que tenha retido muito pouco das politiquices da altura (e daí, talvez até tenha retido mais do pensava, mas hoje em dia, com tantos documentários e reposições, já tenho dificuldades em distinguir memória genuína de memória auxiliada por recordações posteriores).

Mas algo foi ficando ao longo dos tempos: a música de intervenção. Lembro-me até de, quando passava as férias de Verão na província, termos (eu, o meu irmão e alguns nativos) pertencido a uma "banda" (as aspas aqui deviam ser a triplicar) que usava como instrumentos umas guitarras feitas com umas ripas de madeira e fios de nylon (que davam todos o mesmo som) e uma bateria feita de panelas velhas e tampas de tachos.

O detalhe mais delicioso de que me lembro é o do microfone. Lembram-se daqueles desodorizantes em stick chamados Lander? O desodorizante estava dentro de um tubo de plástico que se retirava de dentro do frasco (muitos adultos desse tempo guardavam um destes frascos de vidro para guardar as lâminas da barba Schick ou Nacett e, assim, não terem que as colocar junto ao lixo comum. Esse tubo de plástico servia de microfone.

E o que cantávamos? Música de intervenção; coisas como "O povo unido nunca mais será vencido", "Grândola, vila morena", etc.

Mas a canção rainha entre nós nesse tempo era a que agora partilho convosco, e de cuja letra continuo a lembrar-me integralmente.

SOMOS LIVRES (UMA GAIVOTA VOAVA, VOAVA)

Ontem apenas
fomos a voz sufocada
de um povo a dizer não quero
fomos os bobos do rei
mastigando desespero

Ontem apenas
fomos o povo a chorar
na sarjeta dos que à força
ultrajaram e venderam
esta terra hoje nossa
esta terra hoje nossa

Uma gaivota voava, voava
asas de vento, coração de mar
Como ela somos livres
somos livres de voar

Uma papoila crescia, crescia
grito vermelho num campo qualquer
Como ela somos livres
somos livres de crescer

Uma criança dizia, dizia
"Quando for grande não vou combater"
Como ela somos livres
somos livres de dizer

Somos um povo que cerra fileiras
parte à conquista do pão e da paz
Somos livres, somos livres
não voltaremos atrás



Autora, Compositora e Intérprete: Ermelinda Duarte (não consegui arranjar foto)

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Livres QB! Não posso refilar com as medidazecas, para comunicação social ver, que o ME impõe, a não ser fazendo a grevezita que terá leituras mais ou menos míopes conforme se for de lá ou de cá...
Voar, nem pensar! Não há verba! Crescer? para que lado? para o que convém à UE? Eu também não queria combater e cá estou (é verdade que não corro risco de vida! A coisa não mata mas mói.)Quanto a cerrar fileiras... tem dias. Hoje é um deles.

2:34 da tarde  

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