22 fevereiro 2006

Oh Santa, isso não será garganta?


Grande alvoroço na trasladação dos restos mortais da irmã Lúcia de Coimbra para a Cova da Iria. O país exigia, as televisões renderam-se. Para os grandes intelectuais que sempre protestam com a televisão pública pelas horas de transmissão concedidas a este tipo de eventos, a resposta não se fez esperar: as privadas foram a reboque e a mobilização foi geral.

É o país que temos. Exagera por tudo e por nada. É capaz de ignorar olimpicamente feitos notáveis de portugueses de eleição e depois brinda-nos com este tipo de devoção (devoção não tem aqui qualquer tipo de conotação religiosa, até porque a mesma existe para assuntos profanos).

Sou católico, mas esta história dos pastorinhos não me convence por aí além. Quer dizer, até convence, mas só em parte. Vejamos:

A aparição propriamente dita

Acredito que existiu. E, bem vistas as coisas, as aparições acabam por ser relativamente comuns em todas as partes do mundo, e não compensa o trabalho de tentar desmontá-las todas, porque, no fundo, não chocam ninguém desde que consumidas com moderação.

Os pastorinhos

Acredito que a aparição de Nossa Senhora foi concretamente destinada ao três pastorinhos. Até aí a coisa nem me faz grande confusão.
O problema está no que se seguiu.

A mensagem de Fátima (segredo incluído)

Aqui é que a coisa já não me convence. A aparição aos pastorinhos tem que ter tido um ou dois objectivos, e acredito que o primeiro era o de chamar a atenção a um povo pouco instruído para a necessidade de se investir nas crianças e jovens, mandando-os para as escolas e tratando bem deles, em vez de, desde tenra idade, serem mandados para aos campos como se fossem adultos. Portugal (e principalmente o Portugal agrícola) viveu desta forma até muito tarde. O segundo objectivo (de resto revelado pelos pastorinhos) era o da necessidade de oração. Quem pode dizer algo contra isto? A oração não faz mal a ninguém. Enquanto se reza (a sério) não é possível pensar, dizer ou fazer disparates. Por isso acredito que este objectivo existiu. Portugal vivia muito ligado à religião formal, mas muito desligado do amor ao próximo que a mesma tanto apregoa e tão pouco pratica.

Vida e obra da irmã Lúcia

A partir daqui já estamos provavelmente no reino do embuste. É pelo menos risível a ideia de que Nossa Senhora fosse transmitir a crianças daquela idade, e com aquele nível de instrução, uma mensagem que se veio a revelar tão complexa e profunda como a que hoje tentam vender-nos. Tudo o que aconteceu com os pastorinhos a seguir às aparições é ridículo e nem fora do seu perfeito juízo Nossa Senhora teria provocado aquilo tudo. Resultado: uma menina fechada a sete chaves desde cedo e que, ao longo da sua vida, foi refinando versões das aparições que não me convencem.

Santos

Os pastorinhos caminham para a santificação. A ideia da criação dos Santos (que não existe em muitas religiões) pode até ter sido bem pensada, visto que era fácil para os crentes desesperarem ao ver que o único verdadeiro modelo (Jesus Cristo) era praticamente impossível de seguir. Os Santos serviriam, assim, para mostrar que exstem pontos intermédios de santidade ao quais qualquer um pode almejar. Pois. A ideia era boa, mas o que a Igreja fez dela a seguir é que deu cabo da coisa: transformou uma boa ideia num excelente negócio. E quando o negócio se impõe à espiritualidade o resultado são as irmãs Lúcias deste mundo.

P.S. - Vejam bem a cara da irmã Lúcia na fotografia. Parece-vos boa pessoa?